domingo, 16 de dezembro de 2012

A fé permeia a espera pela alta de bebês e crianças nos hospitais

A vida e a morte caminham mais perto nas UTIs. Para superar esse drama, as mães buscam força em Deus
Dezembro é o mês em que a cristandade celebra o nascimento de Jesus. Permeada de espiritualidade, a cena em que Maria carrega o menino Deus nos braços é repetida inúmeras vezes em capelas e igrejas do mundo inteiro. Porém, nem sempre, após os nove meses de espera, a mãe pode exibir o seu bebê, perfeito e sadio, ao mundo. Muitas vezes, os pais têm que esperar semanas, meses ou até anos para levá-lo para casa. Ou nem mesmo conseguem tirá-los do hospital.

Sergileuda Rodrigues, da cidade de Palhano, hoje é hóspede de parentes no Dias Macêdo para acompanhar Miguel, que nasceu de 26 semanas fotos: Alcides Freire
O cenário dessa espera se passa nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) ou nos leitos de médio risco. Em vez dos braços da mãe e do conforto do berço, que esperavam o bebê no quarto, uma incubadora. Além do choro, ruídos dos aparelhos que monitoram os batimentos cardíacos e outros sinais vitais.

Para superar esse ambiente tão árido, em que uma linha tênue separa a vida da morte, as mães procuram força em Deus para ter esperança. O sonho maior, comum a todas, é chegar em casa com o filho nos braços e ter, novamente, uma vida normal, longe do hospital.

Além de cuidarem do filho, frágil e ainda dependente de vários procedimentos invasivos para se manter vivo, essas mulheres também precisam superar a ausência de apoio dos maridos e da família e a falta de moradia, já que a maior parte delas reside no Interior do Estado.

Espera
Sergileuda Rodrigues, 21 anos, teve Miguel prematuro por conta de uma queda. No dia seguinte, começou a perder líquido amniótico e como o seu município não dispunha de UTI neonatal, veio de Palhano para Fortaleza, onde está instalada há cerca de dois meses. Assim como muitas mães, ela sonha também com o momento de voltar para casa, onde seu marido a espera e onde já tem o quarto do filho único montado todo em azul.

Há quatro anos e sete meses, Graça Vitorino, de 26 anos, aguarda esse dia de voltar pra casa. Natural de Iguatu, ela fez o pré-natal na sua cidade. Durante toda a gravidez, foram muitas as dores de cabeça e 26 quilos a mais. Contudo, em nenhuma consulta, sua pressão arterial foi avaliada. Antes do parto, convulsionou várias vezes, mas o procedimento foi realizado no próprio município. Para tentar salvar a filha Graziela, os médicos transferiram a menina para o Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS), na Capital. Graça só soube disso três dias depois e após uma semana seguiu para acompanhá-la.

Por conta da falta de oxigenação do cérebro na hora do parto, Graziela adquiriu encefalopatia crônica e não anda nem fala. Respira por aparelhos e se alimenta através de uma sonda. Mesmo com tantas limitações, o que Graça mais quer é tirá-la do ambiente hospitalar. "Eu tenho uma amiga na Barra do Ceará que disse que me ajudaria para montar uma UTI na casa dela".

Depois da vinda de Graça Vitorino para Fortaleza, todas as suas energias se voltaram para os cuidados com a filha. Como não tem parentes na Capital, dorme quase sempre no hospital, onde fez várias amizades. Os pais ainda moram em Iguatu, mas já faz um ano que Graça não os visita. "Eles não entendem o estado da Grazi. Já comentaram que eu devia desligar os aparelhos, mas eu não posso matar a minha filha".

Nesse período distante da família, a internet tem sido não só fonte de informação, mas também refúgio para os momentos difíceis. "Sempre que me falam algum termo técnico, quando vou para a casa da minha amiga, nos fins de semana, procuro saber o que significa. Foi pelo Facebook que eu a conheci. Ela se sensibilizou com a nossa história e tem nos ajudado durante esse tempo", conta.

Separações
O pai da menina a abandonou após o nascimento. "Depois que eu vim pra cá para acompanhar a minha filha, ele não me procurou mais", relata.

Pelos longos períodos que as mulheres precisam se ausentar de casa para acompanhar os filhos enfermos, as separações não são casos isolados. Segundo a assistente social da UTI neonatal do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), Ana Maria Freitas, 15% das mulheres que acompanham os filhos nas UTIs se separam. "Geralmente, são as mães que ficam para dar assistência aos filhos e, pela distância, os laços familiares se dissolvem".

Para evitar a separação, as mulheres são orientadas a tentar não pensar no hospital quando estiverem em casa. "Nas nossas reuniões semanais, sempre falamos que, quando puderem ir para casa, elas devem aproveitar para ficar com os filhos e os maridos", explica.

Bebês prematuros
Há seis meses longe de casa, Conceição Avelino, de 25 anos, deu à luz a Pedro Davi no HGF, pela extrema prematuridade do filho, que nasceu com 25 semanas. Conceição mora em Forquilha e naquele município cearense não existe UTI Neonatal. Antes de chegar ao hospital, ela passou pela Santa Casa de Sobral, que também não tinha condições de recebê-la. "Foi um sufoco, pois tive eclâmpsia e nós dois corríamos perigo de
morte".

Conceição Avelino, vinda de Forquilha, está no HGF há seis meses. O filho Pedro Davi nasceu com 25 semanas
Como no HGF não há alojamento para mães, Conceição está instalada em uma pousada no Centro e todos os dias permanece no hospital das 8 às 17 horas. Para ela, cada pequeno avanço do filho é motivo para comemoração. "Para Pedro Davi voltar pra casa, falta pouco. Vão trocar o aparelho da traqueostomia e se adaptar terá alta".

Para Conceição Avelino, o mais difícil é ver os bebês saindo do hospital e a saudade dos outros filhos. "Eu sou a mais antiga da UTI Neonatal. É duro continuar aqui. Quando falo com meus filhos, digo que logo vou estar em casa, mas eles não acreditam. Ainda bem que minha família e meu marido me apoiam", ressalta Conceição, que se reveza no hospital com a mãe.

Aprendizado
A auxiliar de serviços gerais Cleonésia Lopes, de 34 anos, há nove meses está na UTI do Hospital Pediátrico do Câncer. A filha, Maria Eduarda, de cinco anos, foi diagnosticada com um tumor maligno no cérebro. Desde então, os pais se alternam nos cuidados com a menina. Enquanto Cleonésia passa três dias com Maria Eduarda, o pai passa quatro para que a mãe descanse. "É uma rotina muito difícil. Mas, em janeiro, se Deus quiser, iremos para a nossa casa".

Enquanto está no hospital, Maria Eduarda, filha de Cleonésia, gosta de assistir o Chaves FOTOS: ALCIDES FREIRE
Antes da doença da filha, ela morava em Uruburetama, com o marido e os dois filhos adolescentes. Em janeiro, os quatro irão se mudar para uma casa em Fortaleza, já que Maria Eduarda ainda precisará de acompanhamento. "Não sabemos se ela poderá voltar a respirar ou se alimentar normalmente. Mas, pelo menos, estaremos juntos outra vez. Ela sente saudade dos irmãos".

Após nove meses acompanhando o tratamento de Maria Eduarda, a auxiliar de serviços gerais nota grandes mudanças na sua forma de ver o mundo. "Às vezes, quando eu durmo aqui ou a gente se deita em pufes ou em um colchonete, nesses momentos eu penso em quantas vezes reclamei que o meu colchão estava ruim, que precisava ser trocado. A gente se queixa de tanta besteira! O meu marido também mudou. Em vez de beber cerveja com os amigos, fica direto ao lado da filha".

Cleonésia está hospedada na casa de uma irmã e vai à missa nas horas vagas. A auxiliar de serviços gerais percebeu a doença da filha após dores de cabeça e vômitos. "Passei três meses pra descobrir. Disseram que era virose, vermes. Quando soubemos do câncer, já estava do tamanho de uma laranja e ela teve que se operar logo. Foi no dia do meu aniversário. Mas, o importante é que agora ela está curada".

Site da ONG ajuda os pais com informações
1. Como e quando surgiu o Instituto Abrace? Qual a sua missão?
A ideia de fazer uma ONG caminhou com as páginas finais do meu livro Mãe de UTI, escrito após a morte de minha filha, que passou um ano e quatro meses na UTI. Finalmente, em 2006, nascia oficialmente o Instituto Abrace com a missão de ser, até hoje, a única ONG que não está fixada em uma patologia, mas em levar apoio e informação aos pais, que são os tomadores de decisão em quaisquer circunstâncias de UTI, pré e pós internação (home care ou luto).

2. De que formas o Instituto Abrace se propõe a ajudar aos pais e mães de UTI?
Somos pais, mães e profissionais de diversas áreas, atuamos juntos com a produção de informação, apoio emocional, interatividade e humanização, não somente para os centros de saúde, mas também para familiares ou a família estendida da criança ou bebê em situação de UTI ou home care.

3. Você é casada? Tem filhos? Qual a sua profissão? Em que a experiência de ter um filho na UTI mudou a sua percepção do mundo e a sua vida?
Sou casada, tenho um menino e sou nutricionista. Viver em UTI para mim foi um aprendizado de passar a olhar mais ao meu redor. Me fez questionar o que realmente importa, o que conta mesmo e que as ações voluntárias têm um valor incalculável. Mudou tudo na minha vida. Não se passa mais de 16 meses em UTI de forma ilesa.

Maria Julia Miele
Presidente do Instituto Abrace

SAIBA MAIS
Ceará
Em todo o Estado, são 716 leitos de UTI. Destes, 82 são de pediatria e 157 de UTIs neonatais.

Capital
Em Fortaleza, existem 593 leitos. São 75 de UTI pediátrica e 129 neonatal.

Interior
O Interior do Estado só dispõe de 123 leitos de UTI. São apenas sete de pediatria e 28 de UTIs neonatais.

Atendimento
O Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes só dispõe de UTI pediátrica. Já os hospitais Infantil Albert Sabin e Waldemar Alcântara têm UTIs pediátrica e neonatal. Os hospitais Geral César Cals e Geral de Fortaleza só contam com UTIs neonatais.

Faltam alojamentos para acompanhantes do Interior
Para que as mães e pais possam acompanhar os filhos, é necessário que o hospital ofereça alguma infraestrutura. Em Fortaleza, cinco estabelecimentos públicos dispõem de UTIs. Contudo, somente no Hospital Geral César Cals as mães têm direito a se instalar, enquanto os filhos precisarem das UTIs e, ainda assim, somente se for comprovado que elas não têm onde ficar hospedadas em Fortaleza.

No Hospital Infantil Albert Sabin (Hias), são fornecidas seis refeições e vales-transporte no caso de a mãe morar na Capital. Já no Hospital Geral de Fortaleza, são quatro refeições e os vales-transporte, enquanto no Hospital Waldemar Alcântara, são três refeições e vale-transporte, conforme a assessoria de imprensa da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa). Mas, para quem vem do Interior, se a cidade não contar com casa de apoio, a pessoa se instala na casa de parentes ou é obrigada a pagar estadia.

Segundo a assistente social da UTI neonatal do HGF, Ana Maria Freitas, a distância é um dos maiores obstáculos para que as mães acompanhem seus filhos. "Depois das eleições, teve gestor que simplesmente suspendeu o transporte dessas mães para Fortaleza e muitas não têm condição de pagar as passagens", relata.

Parentes
A dona de casa Cícera Suyane Lima, de 18 anos, é um exemplo. Vinda de Caririaçu e sem ter parentes ou amigos em Fortaleza, ela depende da ajuda da mãe e do marido para pagar a estadia em uma pousada. Cícera deu à luz ao filho no HGF, no dia 13 de agosto, e teve que se deslocar até a Capital porque o bebê precisaria se submeter a várias cirurgias para realinhar os órgãos.

Cícera Suyane Lima, de Caririaçu, fez promessa para ver seu filho, Cícero Geová, com saúde. Aos quatro meses, ele já passou por quatro cirurgias FOTO: ALCIDES FREIRE
"Soube no ultrassom morfológico que, se eu não viesse para Fortaleza, poderíamos morrer. Nesses quase quatro meses, ele já passou por quatro cirurgias e três infecções. Mas, tenho fé que ele vai viver. Fiz até promessa para o Padre Cícero. Por isso, o nome dele é Cícero Geová", conta.

Outro problema apontado pela assistente social é o abandono. "Atualmente, na UTI neonatal, nós temos dois bebês que deverão ser encaminhados para abrigos. As mães deles são do Interior, foram embora e não conseguimos mais localizá-las. Sabemos que uma era dependente de crack e já tinha doado outras crianças. Por isso, a família não quer assumir a responsabilidade. A média de bebês abandonados chega a ser de um por mês", diz a assistente social.

No Hospital Geral de Fortaleza, as mães participam, semanalmente, de aulas de artesanato e recebem atendimento psicológico. "Nesses encontros, elas falam mais sobre seus problemas, confeccionam enfeites para os bercinhos de médio risco e trocam experiências", explica Ana Maria Freitas.

Para a diretora do Centro Pediátrico do Câncer do Hias, Selma Lessa, o apoio dos pais e mães, enquanto os filhos estão na UTI, é importante para a recuperação. "A presença de pais dedicados sempre é importante, especialmente se o filho estiver alerta (acordado) e nunca vai atrapalhar, desde que tudo seja combinado com a equipe, como os horários de visita e a permanência na UTI", aponta.

Além das dificuldades encontradas na cidade de Fortaleza para quem precisa acompanhar algum filho no hospital, no Interior do Estado, há carência de leitos de UTI. São apenas sete leitos pediátricos e 28 de UTI neonatal. Para ampliar esse número, a assessoria de imprensa da Secretaria da Saúde do Estado anuncia para o ano que vem mais 40 leitos, sendo dez de UTI neonatal, dez pediátricos e outros 20 de médio risco.

Ainda de acordo com informações da assessoria, outra região que terá o número de leitos de UTI ampliado será o Sertão Central, com a construção, em Quixeramobim, do Hospital e Maternidade do Sertão Central, com dez leitos de UTI neonatal e dez pediátricos.

Na Capital cearense, além dos hospitais da rede estadual, existem Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) nos Gonzaguinhas da Barra do Ceará (9), de Messejana (15), do Conjunto José Walter (2); e no Hospital Nossa Senhora da Conceição (8).

Gestantes
De acordo com o diretor do Gonzaguinha de Messejana, Eusébio Rocha, no segundo semestre de 2013 deverá ficar pronta a Casa da Gestante. "Nessa unidade, que terá dez quartos, cozinha, sala de estar e banheiros, as mulheres poderão ficar hospedadas enquanto os bebês estão na UTI. Esse projeto faz parte da Rede Cegonha, iniciativa do Governo Federal do qual nós fazemos parte. As obras terão início em janeiro próximo", explica.

No Hospital Geral César Cals também funciona uma Casa da Gestante voltada para as mães que tem diabetes, hipertensão e outras doenças que, associadas à gravidez, a tornam de alto risco. Nessa unidade hospitalar, as visitas têm horário estendido, das 11 às 17 horas. Também é possível que os irmãos e avós do bebê que está na UTI neonatal possam visitá-lo.

Na Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac), ligada à Universidade Federal do Ceará (UFC), são 21 leitos de UTI neonatal. Conforme a assessoria de comunicação da Meac, as mães participam de palestras e oficinas, mas não têm acesso ao vale-transporte.

O desafio real de aceitar o diferente
Na opinião da psicóloga do Hospital Infantil Albert Sabin e especialista em Saúde Mental, Harrismana de Andrade, o maior desafio para essas mulheres é fazer a transição entre a imagem sonhada e a real sobre o seu bebê. "A mulher idealiza seu bebê antes mesmo de concebê-lo. É natural que a mãe imagine como será o rostinho, planeje o quarto e até pense na escola em que ele vai estudar. Quando o bebê nasce prematuro e a mulher se depara com um ser frágil, enrugado e totalmente diferente do bebê que ela imaginava, é obrigada a fazer uma transição entre o imaginado e o real e muitas se perdem nesse processo", explica.

Para que a mulher venha a aceitar o bebê e ajudá-lo a se recuperar, o apoio do pai da criança e da família é fundamental. "O que vai determinar o fortalecimento desse vínculo é a forma como ela será acolhida pelo pai do bebê e pela sua família. Afinal, não estava preparada para cuidar de uma criança tão frágil. A aceitação desse fato acontece aos poucos", ressalta.                                          

Na maioria das vezes, segundo a psicóloga, a mãe resiste a visitar o bebê, seja por receio ou mesmo por não aceitar que aquele é o seu filho. "Muitas mães têm medo e preferem se afastar. Isso é mais frequente quando a gravidez não foi planejada. Por isso, esse contato é tão incentivado nos hospitais para que o vínculo não se dissolva", esclarece Harrismana de Andrade.

Atividades
Conforme a especialista em saúde mental, é importante que os hospitais desenvolvam alguma atividade lúdica para ocupar o tempo livre das mães. "Para manter a sanidade e evitar rupturas psíquicas, as mães devem ter o apoio de psicólogos e terapeutas ocupacionais. Mas, não há como prever se terão estrutura para suportar um problema grave de saúde ou mesmo a morte de um filho porque existem outros fatores, como a predisposição a ter surtos psicóticos. Existem casos de mães que nunca mais voltam ao que eram depois da morte de um filho", diz.

Outro problema é a desper-sonalização do acompanhante. "Os termos mãezinha e paizinho devem ser substituídos pelo nome dos pais pelos funcionários porque o ambiente da UTI, por si só, já os despersonaliza, uma vez que estão longe do seu espaço".

KELLY GARCIAREPÓRTER                                                                            FONTE; DIÁRIO DO NORDESTE

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